Game of Thrones acabou. E agora, o que assistir? Pois para você que adorou o desfecho da saga de Westeros, ou para você que colocou a HBO na sua lista (piada interna!) e até mesmo para você que não faz a menor ideia do que estamos falando, temos uma sugestão: Merlí.
Originalmente uma produção catalã (inclusive, é inteiramente falada em catalão – idioma muito diferente do espanhol) e distribuída por aqui pela Netflix, a série é uma produção simples, porém esmerada, que trafega sob uma tênue linha entre a comédia e o drama, mostrando o lado divertido e apaixonante da filosofia.
Dividida em três temporadas, a produção tem como protagonista Merlí, um professor pouco convencional e com alguns problemas de convívio social, que, de repente, se vê tendo que voltar a morar com a mãe e com o filho adolescente que ele abandonara anos atrás, um jovem rebelde que ainda não assumiu sua homossexualidade e que, por acaso, acaba se tornando um de seus alunos na nova escola em que é contratado como professor de filosofia.
Acima de tudo, Merlí é uma série crível e absolutamente humana. Diferentemente de outras produções que focam no mundo escolar, em que a atmosfera cheira a algo ficcional, tudo aqui é tão real que chega ao ponto de ser tangível. O principal cenário, por exemplo, é uma escola pública, o que faz com que problemas educacionais da Catalunha sejam discutidos, como o corte de verbas e corrupção política, assuntos esses que conversam muito com a realidade brasileira, um dos fatores que pode explicar a empatia que sentimos ao acompanhá-la.
Além da química perfeita entre os atores, seus personagens ajudam muito no ar de realidade. O próprio Merlí, por exemplo, não pode ser tratado como puro “mocinho”, pois tem desvios de personalidade: é metido a conquistador e manipula as pessoas à volta, é desprovido de qualquer filtro e adora provocar tanto seus alunos quantos os demais professores, que a princípio ficam incomodados com o jeito de ele ministrar suas aulas. Em contrapartida, Merlí é uma pessoa de bom coração, pois mesmo por trás de suas atitudes até mesmo brutas há uma indiscutível preocupação com o bem-estar de todos.
A sala de aula é composta por alunos de diferentes personalidades, qualidades e convívios sociais (o popular, aquele que não quer estudar, a gordinha, etc.), porém aqui apresentados de uma maneira que foge totalmente dos clichês aos quais estamos acostumados a ver em produções estadunidenses, por exemplo. Como a trama nos leva diretamente ao convívio familiar dos jovens, podemos entender o porquê de seus comportamentos, vontades e medos, mostrando como influências externas interferem no comportamento humano.
Com aulas fora da caixa e personalidade questionadora, Merlí acaba por apresentar, a nós e a seus alunos, a filosofia de uma forma diferente. Cada episódio leva o nome de um filósofo, e seus pensamentos são colocados em prática na trama de uma forma ou de outra, explicando e exemplificando as colocações dos filósofos com didatismo ímpar. Assim como a seus alunos, Merlí faz a nós, espectadores, questionarmos o mundo a nossa volta.
A lista de assuntos abordados ao longo das temporadas é infinita: bullying escolar, rebeldia, mal de Alzheimer, déficit de atenção, tráfico de drogas, síndrome do pânico, desemprego, alienação parental… bem como assuntos considerados tabus, como virgindade, maternidade na adolescência, abuso doméstico, homossexualidade, suicídio, transexualidade, entre outras, tudo de forma clara, simples e, o mais importante, não causando nenhum desconforto ou constrangimento ao espectador.
O ponto alto de Merlí é seu roteiro. Sem pontas soltas, com personagens cativantes e conflitos próximos à nossa realidade, é uma grande colcha de retalhos que consegue captar nossa atenção de maneiras diferentes em cada episódio, com acontecimentos que vão da comédia à emoção em um pulo (destaque especial aos episódios que encerram cada temporada). Os diálogos e acontecimentos da história acompanham o amadurecimento e crescimento dos jovens, com as tramas ficando mais profundas e sérias a cada temporada.
Antes de tudo: apague todo e qualquer preconceito que você possa ter para produções não americanas. Dos mais diferentes países saem obras maravilhosas, algumas até infinitamente superiores às produções hollywoodianas. Merlí, com certeza, é uma delas.